terça-feira, 17 de maio de 2011

A questão do "erro" na educação linguística

Nesta semana um assunto polêmico tomou conta dos noticiários da imprensa. A inclusão do MEC de uma publicação no PNLD provocou reações distintas nos corações mais apaixonados. De um lado os que atacaram a perspectiva diante da língua assumida por uma equipe de professores (mais de uma dezena, que assinam a dita publicação didática); de outro os que saíram em sua defesa. Abaixo são reproduzidos alguns fragmentos e textos na íntegra para que vocês possam se interar do debate e tomar as suas posições. Estão indicados, ao final da postagem, os links de origem para consulta direta. Neste blog corre uma enquete sobre o assunto, não deixe de responder. Afinal: certo ou errado... adequado ou inadequado?

Abaixo o conhecimento!



Antes de invadir a Universidade de Salamanca, o general falangista Milán Astray encerrou uma discussão com o reitor Miguel de Unamuno com o grito: “Abaixo a inteligência!”. O Brasil parece hoje tomado por falangistas que têm medo de livros, de escolas, de conhecimento. Bibliotecas estão abandonadas. Escolas malcuidadas. Professores malformados. Alunos semianalfabetos, ainda que tenham diploma de curso superior. O mérito está sendo abolido, substituído por cotas e por aprovação de ano automática. E agora o MEC referenda um livro, distribuído a quase meio milhão de alunos, que apoia o falar errado: “O livro ilustrado mais interessante estão emprestado”. O governo não se importa de contrariar a Constituição que estabelece o Português como a língua oficial do Brasil. Quer abonar o patoá.



Ironicamente, o livro se chama “Por uma Vida Melhor”. Como terá vida melhor alguém que, não aprendendo a língua, não vai se comunicar direito, nem vai conseguir um bom emprego sem se expressar da forma correta? Quem vai à escola é para aprender, e não para ser vítima da esquizofrenia do politicamente correto.



A ideia é liberar o falar errado; fale errado sem medo. Sim, sem medo. Depois se dane, porque você foi nivelado por baixo e terá uma vida sempre nivelada por baixo. Porque se você crescer intelectualmente, tiver mais acesso ao conhecimento, vai querer pensar, tirar conclusões e deixará de votar em demagogos, populistas e mentirosos.



O professor Evanildo Bechara, mestre de todos nós que amamos o nosso País e, em consequência, amamos a língua que nos distingue, afirma que “se o professor diz que o aluno pode continuar falando ‘nóis vai’, porque isso não estaria errado, então esse é o pior tipo de pedagogia. Se um indivíduo vai à escola, é porque busca ascensão social e isso demanda da escola que lhe ensine novas formas de pensar, agir e falar”.




Aqui, a esquizofrenia da frustração pretende uma espécie de bestificação social. Todo somos iguais e todos somos as mesmas bestas. Vai para onde o Brasil desse jeito? A China sabe aonde vai. Há 320 anos manda multidões de jovens para os Estados Unidos, para fazerem pós-graduação. Nas escolas chinesas, o ensino é rígido, é competitivo e premia o mérito. O Brasil despreza esses três meios de se obter sucesso futuro. E fica cada vez pior.



Agora estão terminando o fundamental sem estarem alfabetizados. Os especialistas dizem que no segundo ano já deveriam estar alfabetizados. Quando fiz o primário em grupo escolar, estávamos alfabetizados no primeiro ano. No segundo já interpretávamos leitura, dividíamos e multiplicávamos. Também plantávamos horta para a merenda escolar, sem medo de sujar as mãos com barro e mexer em minhocas, ó ausentes pais urbanos!



Alexandre Garcia



"Não somos irresponsáveis", diz autora de livro com "nós pega"

“Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade. Só que esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter currículo que ensine de forma gradual” (Heloísa Ramos, uma das autoras)

Em nota enviada ao iG, o MEC defendeu o uso do livro e afirmou que o papel da escola não é só o de ensinar a forma culta da língua, mas também o de combater o preconceito contra os alunos que falam linguagem popular.

A doutora em linguística e professora da Universidade de Brasília (UnB), Viviane Ramalho, vai além da opinião da autora do livro e defende que a linguagem popular seja ensinada abertamente nas escolas. “O ideal seria aprender todas as possibilidades diferentes até mesmo para respeitar o interlocutor que usa outra variedade linguística”, diz.



A linguista Juliana Dias acredita que a escola deva ensinar exclusivamente a norma culta e usar a linguagem popular apenas como exemplo durante as explicações. “O popular não cabe para o ensino. Cabe somente para reflexão, discussão, e até para o combate ao preconceito com as formas mais simples de se falar”.

Abaixo o conhecimento!



"Não somos irresponsáveis", diz autora de livro com "nós pega"



Leia também a defesa feita pela coordenadora pedagógica da editora que lançou o livro


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Questões complementares - Quinhentismo

01. As primeiras manifestações literárias que se registram na Literatura Brasileira referem-se a:

a) Literatura informativa sobre o Brasil (crônica) e literatura didática, catequética (obra dos jesuítas).
b) Romances e contos dos primeiros colonizadores.
c) Poesia épica e prosa de ficção.
d) Obras de estilo clássico, renascentista.
e) Poemas românticos indianistas.


02. A literatura de informação corresponde às obras:

a) barrocas;
b) arcádicas;
c) de jesuítas, cronistas e viajantes;
d) do Período Colonial em geral;
e) n.d.a.


03. Qual das afirmações não corresponde à Carta de Caminha?

a) Observação do índio como um ser disposto à catequização.
b) Deslumbramento diante da exuberância da natureza tropical.
c) Mistura de ingenuidade e malícia na descrição dos índios e seus costumes.
d) Composição sob forma de diário de bordo.
e) Aproximações barrocas no tratamento literário e no lirismo das descrições.


04. (UNISA) A “literatura jesuíta”, nos primórdios de nossa história:

a) tem grande valor informativo;
b) marca nossa maturação clássica;
c) visa à catequese do índio, à instrução do colono e sua assistência religiosa e moral;
d) está a serviço do poder real;
e) tem fortes doses nacionalistas.


05. A importância das obras realizadas pelos cronistas portugueses do século XVI e XVII é:

a) determinada exclusivamente pelo seu caráter literário;
b) sobretudo documental;
c) caracterizar a influência dos autores renascentistas europeus;
d) a deterem sido escritas no Brasil e para brasileiros;
e) n.d.a.


06. Anchieta só não escreveu:

a) um dicionário ou gramática da língua tupi;
b) sonetos clássicos, à maneira de Camões, seu contemporâneo;
c) poesias em latim, portugueses, espanhol e tupi;
d) autos religiosos, à maneira do teatro medieval;
e) cartas, sermões, fragmentos históricos e informações.


07. São características da poesia do Padre José de Anchieta:

a) a temática, visando a ensinar os jovens jesuítas chegados ao Brasil;
b) linguagem cômica, visando a divertir os índios; expressão em versos decassílabos, como a dos poetas clássicos do século XVI;
c) temas vários, desenvolvidos sem qualquer preocupação pedagógica ou catequética;
d) função pedagógica; temática religiosa; expressão em redondilhas, o que permitia que fossem cantadas ou recitadas facilmente.
e) n.d.a.


08. (UNIV. FED. DE SANTA MARIA) Sobre a literatura produzida no primeiro século da vida colonial brasileira, é correto afirmar que:

a) É formada principalmente de poemas narrativos e textos dramáticos que visavam à catequese.
b) Inicia com Prosopopéia, de Bento Teixeira.
c) É constituída por documentos que informam acerca da terra brasileira e pela literatura jesuítica.
d) Os textos que a constituem apresentam evidente preocupação artística e pedagógica.
e) Descreve com fidelidade e sem idealizações a terra e o homem, ao relatar as condições encontradas no Novo Mundo.


09. (UFV) Leia a estrofe abaixo e faça o que se pede:

Dos vícios já desligados
nos pajés não crendo mais,
nem suas danças rituais,
nem seus mágicos cuidados.

(ANCHIETA, José de. O auto de São Lourenço [tradução e adaptação de Walmir Ayala] Rio de Janeiro: Ediouro[s.d.]p. 110)

Assinale a afirmativa verdadeira, considerando a estrofe acima, pronunciada pelos meninos índios em procissão:

a) Os meninos índios representam o processo de aculturação em sua concretude mais visível, como produto final de todo um empreendimento do qual participaram com igual empenho a Coroa Portuguesa e a Companhia de Jesus.
b) A presença dos meninos índios representa uma síntese perfeita e acabada daquilo que se convencionou chamar de literatura informativa.
c) Os meninos índios estão afirmando os valores de sua própria cultura, ao mencionar as danças rituais e as magias praticadas pelos pajés.
d) Os meninos índios são figura alegóricas cuja construção como personagens atende a todos os requintes da dramaturgia renascentista.
e) Os meninos índios representam a revolta dos nativos contra a catequese trazida pelos jesuítas, de quem querem libertar-se tão logo seja possível.

Exercícios – Quinhentismo

Leia os textos

Carta

A “certidão de nascimento” do país é um documento importantíssimo, pois, além das primeiras informações sobre o Brasil a El-rei D. Manuel, é também o texto que marca o princípio da literatura brasileira.
A Carta de Caminha, embora escrita nos primórdios do descobrimento (1500), só veio a ser impressa em 1817, na Corografia Brasílica, pela Imprensa Régia do Rio de Janeiro.

Trecho 1

Senhor

Mesmo que o Capitão-mor desta vossa frota e também os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta vossa Terra Nova que, agora, nesta navegação se achou, não deixarei, também, de dar disso minha conta a Vossa Alteza, tal como eu melhor puder ainda que para bem contar e falar o saiba fazer pior que todos. Mas tome Vossa Alteza a minha ignorância por boa vontade; e creia, como certo, que não hei de pôr aqui mais que aquilo que vi e me pareceu, nem para aformosear nem para afear.

Trecho 2

Então seguimos nosso caminho, por esse mar de longo até terça-feira de Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de Abril, quando topamos alguns sinais de terra, sendo da dita ilha, segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas; os sinais eram: muita quantidade de ervas compridas, às quais os mareantes chamam Botelho; e, ainda, outras a que também chamam rabo d’asno. Na quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buchos e neste dia, a horas de véspera, avistamos terra, a saber: Em primeiro lugar um monte grande, muito alto e redondo e outras serras mais baixas ao sul dele; e terras rasas, com grandes arvoredos. Ao mesmo monte alto pôs o Capitão o nome de Monte Pascoal; e à terra – Terra de Vera Cruz.

Trecho 3

A feição deles é serem pardos, quase avermelhados, de rostos regulares e narizes bem feitos; andam nus sem nenhuma cobertura; nem se importam de cobrir nenhuma coisa, nem de mostrar suas vergonhas. E sobre isto são tão inocentes, como em mostrar o rosto.
(...) Os seus cabelos são corredios; e andavam tosquiados de tosquia mais alta que sobre-pente de bom tamanho e raspado até acima das orelhas. Um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte por detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave, amarela, que seria do comprimento de um coto.

Texto 4

Mas, a terra em si é muito boa de ares, tão frios e temperados, como o Entre-Douro e Minho, porque, neste tempo de agora, assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas e infindas. De tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem. Mas o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente; e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.
(...) E desta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza notícia do que nesta terra vi.
(...) Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro da Vossa ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro de maio de 1500.


História da província de Santa Cruz

O texto selecionado do principal livro de Pero de Magalhães Gândavo traz a visão do colonizador sobre o povo colonizado em que se vê uma forte posição etnocêntrica e moralista.

"Estes índios são de cor baça, e cabelo corredio; têm o rosto amassado, e algumas feições dele à maneira de chinês. Pela maior parte são bem dispostos, rijos e de boa estatura; gente mui esforçada, e que estima pouco morrer, temerária na guerra, e de muito pouca consideração: são desagradecidos em grande maneira, e mui desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo. Vivem todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão comer, beber, e matar gente, e por isso engordam muito, mas com qualquer desgosto pelo conseguinte tornam a emagrecer, e muitas vezes pode deles tanto a imaginação que se algum deseja a morte, ou alguém lhe mete em cabeça que há de morrer tal dia ou tal noite não passa daquele termo que não morra. São mui inconstantes e mudáveis: crêem de ligeiro tudo aquilo que lhes persuadem por dificultoso e impossível que seja, e com qualquer dissuasão facilmente o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados à sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se neles não houvera razão de homens: ainda que todavia em seu ajuntamento os machos e fêmeas têm o devido resguardo, e nisto mostram ter alguma vergonha.
A língua de que usam, toda pela costa, é uma: ainda que em certos vocábulos difere n’algumas partes; mas não de maneira que se deixem uns aos outros de entender: e isto até a altura de vinte e sete graus, que daí por diante há outra gentilidade, de que nós não temos tanta notícia, que falam já outra língua diferente. Esta de que trato, que é geral pela costa, é mui branda, e a qualquer nação fácil de tomar. Alguns vocábulos há nela de que não usam senão as fêmeas, e outros que não servem senão para os machos: carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto porque assim não tem Fé, nem Lei, nem Rei e desta maneira vivem desordenadamente sem terem além disto conta nem peso, nem medida."

1. Que preocupação da parte de Caminha é notável no primeiro trecho?

2. Sem dúvida, todos identificarão a frase: “De tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem”. Essa frase tornou-se marca de quê?

3. Repare na descrição do gentio, feita por Pero Vaz de Caminha:
“A feição deles é serem pardos, quase avermelhados, de rostos regulares e narizes bem feitos; andam nus sem nenhuma cobertura; nem se importam de cobrir nenhuma coisa, nem de mostrar suas vergonhas”

Compare-a, agora, à descrição feita por Gândavo:

“Estes índios são de cor baça, e cabelo corredio; têm o rosto amassado, e algumas feições dele à maneira de chinês. Pela maior parte são bem dispostos, rijos e de boa estatura (...)”

a) O que é semelhante na descrição de ambos?
b) O que é diferente na descrição de ambos?

4. Ao mencionar o idioma falado pelos indígenas, Gândavo tece um juízo de valor a respeito da organização social do gentio. Explique.

5. Explique a seguinte afirmação: “os escritos dos cronistas e viajantes tinham caráter marcadamente descritivo”. O que descreviam? Qual era a intenção desses textos?


Leia os seguintes versos:

A SANTA INÊS


Cordeirinha linda,
Como folga o povo
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo!

Cordeirinha santa,
De Jesus querida,
Vossa santa vinda
O diabo espanta.
Por isso vos canta,
Com prazer, o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Nossa culpa escura
Fugirá depressa,
Pois vossa cabeça
Vem com luz tão pura.

Vossa formosura
Honra é do povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Virginal cabeça
Pela fé cortada,
Com vossa chegada,
Já ninguém pereça.

Vinde mui depressa
Ajudar o povo,
Pois com vossa vinda
Lhe dais lume novo!

Vós sois, cordeirinha,
De Jesus formoso,
Mas o vosso esposo
Já vos fez rainha.

Também padeirinha
Sois de nosso povo,
Pois, com vossa vinda,
Lhe dais lume novo.

(José de Anchieta)



1. Por meio da utilização de um refrão, a Santa Inês é a todo o momento associada a uma mudança que se opera em um ente. Que ente é este? Que efeitos de sentido tanto a repetição em refrão quanto esta associação trazem para o texto?

2. O tipo de composição que Anchieta escolheu – poema em quadras, com versos curtos, repetições, ritmo saltitante – aponta para a intenção primeira do padre missionário. Qual seria ela?

3. O poema parece ter sido feito para ser declamado. O que lhe parece essa afirmativa? A que tipo de prática religiosa pode se relacionar o poema?

Leia a seguinte letra de Caetano Veloso

Jóia


beira de mar beira de mar
beira de maré na américa do sul
um selvagem levanta o braço
abre a mão e tira um caju
um momento de grande amor
de grande amor

copacabana copacabana
louca total e completamente louca
a menina muito contente
toca a coca-cola na boca
um momento de puro amor
de puro amor



1. Claramente, o texto articula dois momentos distintos da história deste país. Quais são eles?

2. A contraposição de momentos históricos distintos deixa ver uma leve ironia e crítica por parte do autor. Explique melhor esta afirmativa:

“CARTA AO EL-REY D. MANUEL” (do Descobrimento) – Pero Vaz de Caminha

Senhor,


posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer! Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, nem para aformosar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu. Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza - porque o não saberei fazer - e os pilotos devem ter este cuidado. E portanto, Senhor, do que hei de falar começo: E digo quê: A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto. Na noite seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder ser ! Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas e outras partes. Mas... não apareceu mais ! E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos. Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos ancoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitura à terra, indo os navios pequenos diante -- por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças -- até meia légua da terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos. E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro. Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte. Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. À noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus. E especialmente a Capitaina. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar ancoras e fazer vela. E fomos de longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados na popa, em direção norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nós ficássemos, para tomar água e lenha. Não por nos já minguar, mas por nos prevenirmos aqui. E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos. Fomos ao longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem. E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. E um pouco antes de sol-pôsto amainaram também, talvez a uma légua do recife, e ancoraram a onze braças. E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, foi, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou dois daqueles homens da terra que estavam numa almadia: mancebos e de bons corpos. Um deles trazia um arco, e seis ou sete setas. E na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas não os aproveitou. Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com muito prazer e festa. A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber. Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar. O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata! Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar! E depois tornou as contas a quem lhas dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir sem procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão mandou pôr por baixo da cabeça de cada um seu coxim; e o da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E deitaram um manto por cima deles; e consentindo, aconchegaram-se e adormeceram. Sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e tinha seis a sete braças de fundo. E entraram todas as naus dentro, e ancoraram em cinco ou seis braças -- ancoradouro que é tão grande e tão formoso de dentro, e tão seguro que podem ficar nele mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus foram distribuídas e ancoradas, vieram os capitães todos a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão que Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias fossem em terra e levassem aqueles dois homens, e os deixassem ir com seu arco e setas, aos quais mandou dar a cada um uma camisa nova e uma carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que foram levando nos braços, e um cascavel e uma campainha. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de dom João Telo, de nome Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho. Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo perto de duzentos homens, todos nus, com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levamos acenaram-lhes que se afastassem e depusessem os arcos. E eles os depuseram. Mas não se afastaram muito. E mal tinham pousado seus arcos quando saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais correria. E passaram um rio que aí corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga. E muitos outros com eles. E foram assim correndo para além do rio entre umas moitas de palmeiras onde estavam outros. E ali pararam. E naquilo tinha ido o degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá. Mas logo o tornaram a nós. E com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças. E então se começaram de chegar muitos; e entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam. E traziam cabaças d'água, e tomavam alguns barris que nós levávamos e enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todo chegassem a bordo do batel. Mas junto a ele, lançavam-nos da mão. E nós tomávamo-los. E pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, e a outros uma manilha, de maneira que com aquela encarna quase que nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas em troca de sombreiros e carapuças de linho, e de qualquer coisa que a gente lhes queria dar. Dali se partiram os outros, dois mancebos, que não os vimos mais. Dos que ali andavam, muitos -- quase a maior parte --traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, traziam os beiços furados e nos buracos traziam uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha. E alguns deles traziam três daqueles bicos, a saber um no meio, e os dois nos cabos. E andavam lá outros, quartejados de cores, a saber metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, um tanto azulada; e outros quartejados d'escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam. Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbana deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém. Acenamos-lhes que se fossem. E assim o fizeram e passaram-se para além do rio. E saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris d'água que nós levávamos. E tornamo-nos às naus. E quando assim vínhamos, acenaram-nos que voltássemos. Voltamos, e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles, o qual levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não trataram de lhe tirar coisa alguma, antes mandaram-no com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, que lhe desse aquilo. E ele tornou e deu aquilo, em vista de nós, a aquele que o da primeira agasalhara. E então veio-se, e nós levamo-lo. Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por galanteria, cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia seteado como São Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; e outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não terem as suas como ela. Nenhum deles era fanado, mas todos assim como nós. E com isto nos tornamos, e eles foram-se. À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, perto da praia. Mas ninguém saiu em terra, por o Capitão o não querer, apesar de ninguém estar nela. Apenas saiu -- ele com todos nós -- em um ilhéu grande que está na baía, o qual, aquando baixamar, fica mui vazio. Com tudo está de todas as partes cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele, e todos nós, bem uma hora e meia. E pescaram lá, andando alguns marinheiros com um chinchorro; e mataram peixe miúdo, não muito. E depois volvemo-nos às naus, já bem noite. Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção. Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho. Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção. Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé. Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e fomos indo todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós todos trás dele, a distância de um tiro de pedra. Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham. Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem. Mas não já que a mim me parecesse que lhe tinham respeito ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era tão vermelha que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais vermelho. Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava no meio deles, sem implicarem nada com ele, e muito menos ainda pensavam em fazer-lhe mal. Apenas lhe davam cabaças d'água; e acenavam aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão. E viemo-nos às naus, a comer, tangendo trombetas e gaitas, sem os mais constranger. E eles tornaram-se a sentar na praia, e assim por então ficaram. Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e sermão, espraia muito a água e descobre muita areia e muito cascalho. Enquanto lá estávamos foram alguns buscar marisco e não no acharam. Mas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um muito grande e muito grosso; que em nenhum tempo o vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e de amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira. E depois de termos comido vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se aportou; e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor mandar descobrir e saber dela mais do que nós podíamos saber, por irmos na nossa viagem. E entre muitas falas que sobre o caso se fizeram foi dito, por todos ou a maior parte, que seria muito bem. E nisto concordaram. E logo que a resolução foi tomada, perguntou mais, se seria bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar deles outros dois destes degredados. E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende. Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando cá Vossa Alteza mandar. E que portanto não cuidássemos de aqui por força tomar ninguém, nem fazer escândalo; mas sim, para os de todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos. E assim ficou determinado por parecer melhor a todos. Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra. E ver-se-ia bem, quejando era o rio. Mas também para folgarmos. Fomos todos nos batéis em terra, armados; e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenaram que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais ancho que um jogo de mancal. E tanto que desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. E alguns aguardavam; e outros se afastavam. Com tudo, a coisa era de maneira que todos andavam misturados. Eles davam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho, e por qualquer coisa que lhes davam. Passaram além tantos dos nossos e andaram assim misturados com eles, que eles se esquivavam, e afastavam-se; e iam alguns para cima, onde outros estavam. E então o Capitão fez que o tomassem ao colo dois homens e passou o rio, e fez tornar a todos. A gente que ali estava não seria mais que aquela do costume. Mas logo que o Capitão chamou todos para trás, alguns se chegaram a ele, não por o reconhecerem por Senhor, mas porque a gente, nossa, já passava para aquém do rio. Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas, daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, de tal maneira que os nossos levavam dali para as naus muitos arcos, e setas e contas. E então tornou-se o Capitão para aquém do rio. E logo acudiram muitos à beira dele. Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma. Também andava lá outra mulher, nova, com um menino ou menina, atado com um pano aos peitos, de modo que não se lhe viam senão as perninhas. Mas nas pernas da mãe, e no resto, não havia pano algum. Em seguida o Capitão foi subindo ao longo do rio, que corre rente à praia. E ali esperou por um velho que trazia na mão uma pá de almadia. Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra. Trazia este velho o beiço tão furado que lhe cabia pelo buraco um grosso dedo polegar. E trazia metido no buraco uma pedra verde, de nenhum valor, que fechava por fora aquele buraco. E o Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela para a boca do Capitão para lha meter. Estivemos rindo um pouco e dizendo chalaças sobre isso. E então enfadou-se o Capitão, e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho; não por ela valer alguma coisa, mas para amostra. E depois houve-a o Capitão, creio, para mandar com as outras coisas a Vossa Alteza. Andamos por aí vendo o ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não muito altas; e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles. Depois tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde tínhamos desembarcado. E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo os segurou e afagou muito, tomavam logo uma esquiveza como de animais montezes, e foram-se para cima. E então passou o rio o Capitão com todos nós, e fomos pela praia, de longo, ao passo que os batéis iam rentes à terra. E chegamos a uma grande lagoa de água doce que está perto da praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares. E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles meter-se entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou. E levavam-lho; e lançou-o na praia. Bastará que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte amansassem, logo de uma mão para outra se esquivavam, como pardais do cevadouro. Ninguém não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem -- para os bem amansarmos ! Ao velho com quem o Capitão havia falado, deu-lhe uma carapuça vermelha. E com toda a conversa que com ele houve, e com a carapuça que lhe deu tanto que se despediu e começou a passar o rio, foi-se logo recatando. E não quis mais tornar do rio para aquém. Os outros dois o Capitão teve nas naus, aos quais deu o que já ficou dito, nunca mais aqui apareceram -- fatos de que deduzo que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva. Mas apesar de tudo isso andam bem curados, e muito limpos. E naquilo ainda mais me convenço que são como aves, ou alimárias montezinhas, as quais o ar faz melhores penas e melhor cabelo que às mansas, porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não pode ser mais! E isto me faz presumir que não tem casas nem moradias em que se recolham; e o ar em que se criam os faz tais. Nós pelo menos não vimos até agora nenhumas casas, nem coisa que se pareça com elas. Mandou o Capitão aquele degredado, Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. E foi; e andou lá um bom pedaço, mas a tarde regressou, que o fizeram eles vir: e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nada do seu. Antes, disse ele, que lhe tomara um deles umas continhas amarelas que levava e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após ele, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de feteiras muito grandes, como as de Entre Douro e Minho. E assim nos tornamos às naus, já quase noite, a dormir. Segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos; mas não tantos como as outras vezes. E traziam já muito poucos arcos. E estiveram um pouco afastados de nós; mas depois pouco a pouco misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam; mas alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha e por qualquer coisa. E de tal maneira se passou a coisa que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles para onde outros muitos deles estavam com moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, uns verdes, outros amarelos, dos quais creio que o Capitão há de mandar uma amostra a Vossa Alteza. E segundo diziam esses que lá tinham ido, brincaram com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados: uns andavam quartejados daquelas tinturas, outros de metades, outros de tanta feição como em pano de ras, e todos com os beiços furados, muitos com os ossos neles, e bastantes sem ossos. Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que na cor queriam parecer de castanheiras, embora fossem muito mais pequenos. E estavam cheios de uns grãos vermelhos, pequeninos que, esmagando-se entre os dedos, se desfaziam na tinta muito vermelha de que andavam tingidos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam. Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos. E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados que fossem meter-se entre eles; e assim mesmo a Diogo Dias, por ser homem alegre, com que eles folgavam. E aos degredados ordenou que ficassem lá esta noite. Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles. Resgataram lá por cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse. E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus. Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer. E o Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e que de modo algum viessem a dormir às naus, ainda que os mandassem embora. E assim se foram. Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios essas árvores; verdes uns, e pardos, outros, grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá muitos nesta terra. Todavia os que vi não seriam mais que nove ou dez, quando muito. Outras aves não vimos então, a não ser algumas pombas-seixeiras, e pareceram-me maiores bastante do que as de Portugal. Vários diziam que viram rolas, mas eu não as vi. Todavia segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves! E cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha. Eu creio, Senhor, que não dei ainda conta aqui a Vossa Alteza do feitio de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, e as setas compridas; e os ferros delas são canas aparadas, conforme Vossa Alteza verá alguns que creio que o Capitão a Ela há de enviar. Quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia, muitos, segundo das naus vimos. Seriam perto de trezentos, segundo Sancho de Tovar que para lá foi. Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem ordenara que de toda maneira lá dormissem, tinham voltado já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. E traziam papagaios verdes; e outras aves pretas, quase como pegas, com a diferença de terem o bico branco e rabos curtos. E quando Sancho de Tovar recolheu à nau, queriam vir com ele, alguns; mas ele não admitiu senão dois mancebos, bem dispostos e homens de prol. Mandou pensar e curá-los mui bem essa noite. E comeram toda a ração que lhes deram, e mandou dar-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. E dormiram e folgaram aquela noite. E não houve mais este dia que para escrever seja. Quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas, e veio-lhe comida. E comeu. Os hóspedes, sentaram-no cada um em sua cadeira. E de tudo quanto lhes deram, comeram mui bem, especialmente lacão cozido frio, e arroz. Não lhes deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem. Acabado o comer, metemo-nos todos no batel, e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. E logo que a tomou meteu-a no beiço; e porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pouca de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço da parte de trás de sorte que segurasse, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima; e ia tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela. E não tornou a aparecer lá. Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir. E parece-me que viriam este dia a praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta. Alguns deles traziam arcos e setas; e deram tudo em troca de carapuças e por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos, e alguns deles bebiam vinho, ao passo que outros o não podiam beber. Mas quer-me parecer que, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade! Andavam todos tão bem dispostos e tão bem feitos e galantes com suas pinturas que agradavam. Acarretavam dessa lenha quanta podiam, com mil boas vontades, e levavam-na aos batéis. E estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles. Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até um ribeiro grande, e de muita água, que ao nosso parecer é o mesmo que vem ter à praia, em que nós tomamos água. Ali descansamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dele, entre esse arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular. Há lá muitas palmeiras, de que colhemos muitos e bons palmitos. Ao sairmos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos em direitura à cruz que estava encostada a uma árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo; e logo foram todos beijá-la. Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim! Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se fossem mais amigos nossos do que nós seus. Se lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-se logo para isso, de modo tal, que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco; a saber, o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pagem; e Aires Gomes a outro, pagem também. Os que o Capitão trazia, era um deles um dos seus hóspedes que lhe haviam trazido a primeira vez quando aqui chegamos -- o qual veio hoje aqui vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar. E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o Capitão o sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de procissão. Eram já aí quantidade deles, uns setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção. Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos! Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais devoção. Esses que estiveram sempre à pregação estavam assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa causa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos -- um a um -- ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta. E isto acabado -- era já bem uma hora depois do meio dia -- viemos às naus a comer, onde o Capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa destoutras. E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram. Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse; e puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior -- com respeito ao pudor. Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive se se convertera, ou não, se lhe ensinarem o que pertence à sua salvação. Acabado isto, fomos perante eles beijar a cruz. E despedimo-nos e fomos comer. Creio, Senhor, que, com estes dois degredados que aqui ficam, ficarão mais dois grumetes, que esta noite se saíram em terra, desta nau, no esquife, fugidos, os quais não vieram mais. E cremos que ficarão aqui porque de manhã, prazendo a Deus fazemos nossa partida daqui. Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa. Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé! E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro -- o que d'Ela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Quinhentismo em resumo e fragmentos de textos representativos

QUINHENTISMO BRASILEIRO - Denominação genérica de todas as manifestações literárias ocorridas no Brasil durante o século XVI.

Momento histórico

Europa


 Auge do Renascimento
 Reforma protestante
 Contra-Reforma


O homem europeu entre duas conquistas: material e espiritual.

A LITERATURA INFORMATIVA

O Quinhentismo no Brasil não apresenta preocupação artística,uma vez que, após o descobrimento, a colonização foi exploratória. O principal objetivo dos textos produzidos nesse período liga-se às crônicas de viagem, textos comuns aos movimentos das grandes navegações e ao Mercantilismo, preocupados apenas com a passagem de informações.
Literatura descritiva, de pouco valor literário; conhecida também como literatura dos viajantes ou dos cronistas.

Principal característica: exaltação da terra; apresentando também: linguagem culta, descritivismo, informação, de caráter documental, histórica.

Principais destaques: Pero Vaz de Caminha; Pero Gândavo.

A LITERATURA DOS JESUÍTAS

Literatura de cunho pedagógico, voltada ao trabalho de catequese.

Principal destaque: José de Anchieta – jesuíta de maior destaque.
Manuel da Nóbrega

Indicação bibliográfica - CRONISTAS DO DESCOBRIMENTO – a obra

A obra apresenta treze textos do período quinhentista brasileiro, entre crônicas de viagem, cartas e poemas, antecedidos por comentários dos organizadores sobre o autor de cada texto.

Carta do achamento do Brasil: Pero Vaz de Caminha

A primeira publicação da Carta em livro é de 1817, feita pelo padre Manuel Aires do Casal, que encontrou uma cópia no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro. A obra em estudo apresenta quatro partes da carta, a saber:

Na primeira parte, tem-se o começo da viagem e a chegada ao Brasil:

“Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei também de dar conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que, para o bem contar e falar-, a saiba fazer pior que todos.”(p.19)
(....)
A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi, segunda-feira, 9 de março. Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e as nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grâ Canária, onde andamos todo aquele dia em calma, à vista delas , obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escobar, piloto.
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o Capitão suas diligências para o achar, a uma e outro parte, mas não apareceu mais.
E assim seguimos nosso caminho , por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamem botelho, assim como outras a que dão nome de rabo-de-asno. E, quarta-feira seguinte, pela manhã topamos aves a que chamam furabuchos.
Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra de Vera Cruz.
(...) Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos direitos à terra, indo os navios pequenos diante (...) onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos.
(...)
Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta do capitão-mor, onde falaram entre si. E o capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.

A segunda parte apresenta um momento de confraternização entre índios e portugueses; vendo os índios dançarem, Diogo Dias e um gaiterio dançam e riem com eles.

A terceira parte mostra a troca de presentes e os hábitos indígenas. O contato mais de perto com o gentio permite observar melhor suas características.

“Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o capitão manda a Vossa Alteza.”
“Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita.(...)”


A quarta parte refere-se à intenção de cristianização dos nativos. A observação de Caminha à reação positiva dos indígenas, na celebração da segunda missa, mostra a satisfação com a expansão da fé, o que faz com que ele interprete como um entendimento do Cristianismo.

“E quando veio o Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quanto levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.”


ALERTAR PARA :

 Vocabulário: singraduras, chã, batéis, esquife, alimárias, grumetes etc.
 As atitudes de imitação
 O registro do impacto da nova terra sobre o europeu
 O choque cultural frente à nudez
 A valorização do índio
 A narração em 1ª pessoa, num registro em que salienta humildade e obrigação de dar conta ao Rei. Depois passa a narrar no plural ( avistamos, fizemos, passarmos) como testemunha ocular da História.

Sucedem, então, 10 cronistas à Carta de Caminha, cada um a seu modo relatando sobre a nova terra, a saber:

1. Piloto Anônimo – RELATO usando precisão de termos náuticos específicos.
2. Pero Lopes de Sousa – DIÁRIO sóbrio e direto sobre a expedição de Martim;
3. Manuel da Nóbrega – CARTA solicitando ajuda para missão moral;
4. André Thevet – RELATO com simplicidade e alguns erros.
5. Jean de Léry – RELATO simpático e elogioso;
6. Hans Staden – RELATO cheio de peripécias por ser prisioneiro;
7. José de Anchieta – POEMA
8. Pero M. Gândavo – TRATADO feito por um historiador;
9. Fernão Cardim – VERBETES;
10. Gabriel S. Sousa – TRATADO com aspectos geográficos/históricos.

RELAÇÃO DA VIAGEM DE PEDRO ÁLVARES CABRAL: uma outra versão da história

O texto apresenta o relato de um piloto anônimo, havendo até hoje divergências sobre sua autoria. O interesse reside no fato de que há nesse texto informações importantes, como, por exemplo, mostrar o encontro com a expedição de Américo Vespúcio, que também se dirigia ao Brasil, mostrando que Portugal tinha interesse na nova terra, após o recebimento da carta de Caminha. Um outro dado, divergente, está ligado ao descobrimento, cuja data é 25 de abril e não 22, conforme Pero Vaz.
“No ano de 1500 mandou o Sereníssimo Rei de Portugal D. Manuel uma armada de doze naus e navios para as partes da Índia, e por seu capitão-mor Pedro Álvares Cabral, fidalgo de sua casa, as quais partiram bem aparelhadas e providas do necessário para ano e meio de viagem. Dez destas naus levavam regimento de ir a Calecute, e as duas restantes a um lugar chamado Sofala para contratar em mercadorias, ficando este porto na mesma derrota de Calecute, para onde as outras dez iam carregadas. Em um domingo, 8 de março daquele ano, estando tudo prestes, saímos a duas milhas de distância de Lisboa, a um lugar chamado Restelo, onde está o Convento de Belém, e aí foi el-rei entregar pessoalmente ao capitão-mor o estandarte real para a dita armada. No dia seguinte levantamos âncoras com vento próspero, e aos 14 do mesmo mês chegamos às Canárias; aos 22 passamos Cabo Verde, e no dia seguinte esgarrou-se uma nau da armada, por forma tal que não se soube mais dela. As 24 de abril, que era uma quarta-feira do oitavário da Páscoa, houvemos vista de terra, com o que, tendo todos grandíssimo prazer, nos chegamos a ela para a reconhecer, e achando-a muito povoada de árvores, e de gente que andava na praia, lançamos âncora na embocadura de um pequeno rio.”


DIÁRIO DA NAVEGAÇÃO: Pero Lopes de Sousa

“Verdadeira crônica dos primeiros fatos da História do Brasil, escrita no calor da hora, este texto documenta o dia-a-dia da expedição comandada por Martim Afonso de Sousa, de quem o autor era irmão.”
O autor acompanhou o irmão, em 1530, em uma expedição encarregada de proteger a costa, além de fixar os limites das terras de Portugal. Essa expedição também ficou encarregada de fundar os primeiros núcleos de colonização.
O texto apresenta um registro cronológico dos acontecimentos que envolvem a expedição, relatando os acontecimentos durante a viagem de travessia do Oceano, a exploração da terra e a luta contra os franceses. O trecho apresentado incia a 12 de março de 1532 e vai até 28 de setembro descrevendo a rotina no mar, com referências náuticas e geográficas freqüentes, o desembarque em pontos marcados no país, além do contato com os portugueses que já eram estabelecidos no Brasil.
“Domingo 13 dias (do mês) de março pela manhã éramos de terra quatro léguas (...) na entrada tem sete, oito braças de fundo, a lugares pedra, a lugares areia; e assim tem o mesmo fundo dentro da baía, onde as naus surgem. Em terra, na ponta do padrão se faz uma restinga de areia, e a lugares pedra: entre ela e a ponta podem entrar naus; no mais baixo da dita restinga há braça e meia. Aqui estivemos tomando água e lenha, e corrigindo as naus, que dos temporais que nos dias passados nos deram, vinhem desaparelhadas. Nesta baía achamos um homem português, que havia vinte e dois anos que estava nesta terra; e deu razão larga do que nela havia. (...) A gente desta terra é toda alva; os homens mui bem dispostos, e as mulheres mui formosas, que não hão nenhuma inveja às da Rua Nova de Lisboa. Não têm os homens outras armas semão arcos e flechas; a cada duas léguas têm guerra uns coms os outros. (...) as cinquenta almadias, da banda de que estávamos surtos foram vencedores; e trouxeram muitos dos outros cativos, e os matavam com grandes cerimônias, presos por cordas, e depois de mortos os assavam e comiam, não têm nenhum ,modo de física: como se acham mal não comem, e põem-se ao fumo; e assim por conseguinte os que são feridos.”


CARTA AO PADRE MESTRE SIMÃO RODRIGUES DE AZEVEDO: Manuel da Nóbrega

“Na primeira carta que escreve do Brasil.,o jesuíta relata o trabalho dos padres da Companhia, dando assistência religiosa e buscando catequizar os índios.”

“(...)Eu prego ao governador e à sua gente na nova cidade que se começa, e o padre Navarro à gente da terra. Espero em Nosso Senhor fazer-se fruto posto que a gente da terra vive em pecado mortal, e não há nenhum que deixe de ter muitas negras das quais estão cheios de filhos e é grande mal. (...) O Irmão Vicente Rijo ensina a doutrina aos meninos cada dia e também tem escola de ler e escrever...”
“(....) O padre Leonardo Nunes mando aos Ilhéus e Porto Seguro, a confessar aquela gente que tem nome de cristãos, porque me disseram de lá muitas misérias...”

DIÁLOGO SOBRE A CONVERSÃO DO GENTIO: Manuel da Nóbrega

“Em forma de diálogo, Nóbrega discute aspectos práticos, morais e religiosos da relação entre os colonizadores e os índios, defendendo a tese de que estes não devem ser escravizados, pois têm alma como os cristãos.” Nóbrega discute com Gonçalo Alves defendendo a tese de que todos são iguais, daí tanto brancos, quanto índios e negros teram direito à evangelização.

[...]
Nogueira: Já que tanto apertais comigo, e me pareceis desejoso de saber a verdade deste negócio, creio que vos tenho esgotado, dir-vos-ei o que muitas vezes, martelando aquele ferro duro, estou cuidando, e o que ouvi a meus padres, por muitas vezes, parece, que nos podia Cristo, que nos está ouvindo dizer: ó estultos e tardios de coração para crer, estou eu imaginando todas as almas dos homens uma, nos serem umas e todas de um metal feitas à imagem e semelhança de Deus, e todas capazes de glória e criadas para ela, e tanto vale diante de Deus por natureza a alma do Papa, como a alma do vosso escravo Papana
Gonçalo Alves: Estes têm alma como nós.
Nogueira: Isso está claro, pois a alma tem três potências, entendimento, memória e vontade, que todos têm; eu cuidei que vós éreis mestre, já em Israel, e vós não sabeis isso; bem parece, que as teologias, que me dizeis arriba era, e eram postiças do padre Braz Lourenço, e não vossas; quero-vos dar um desengano, meu irmão: que tão ruim entendimento tendes vós para entender o que vos queira dizer, como este gentio, para entender as cousas de nossa fé.
Gonçalo Alves: Tendes muita razão, e não é muito, porque ando na água aos peixes bois, e trato no mato com brasil, e não é muito ser frio, e vós andais sempre no fogo, razão é que vos aquenteis, mas não deixeis de prosseguir adiante, pois uma das obras da misericórdia é ensinar os ignorantes.
[...]


AS SINGULARIDADES DA FRANÇA ANTÁRTICA: André Thevet

O texto relata a aventura do frade franciscano e francês, bem como descreve a terra que conheceu. Além das informações sobre a terra, o autor também levou para a França o tabaco, sendo considerado o introdutor desta planta em seu país.

(...)Cumpre falar da parte que mais conhecemos e freqüentamos, situada perto do trópico brumal e ainda além. Além dos critãos, que depois de Américo Vespúcio a habitam, esta terra foi e é ainda hoje habitada por gente prodigiosamente estranha e selvagem, sem fé, sem lei, sem religião, sem civilidade nenhuma, que vive como os animais irracionais, do modo como a natureza a fez, comendo raízes, andando sempre nua (tanto homens quanto mulheres), e isso tavez até que, convivendo com os cristãos, aos poucos se despoje dessa brutalidade,passando a vestir-se de modo mais civilizado e humano.
Dissemos que essa pobre gente vive sem religião e sem lei, o que é verdadeiro. Na realidade, não há criatura dotada de razão que seja tão cega a ponto de, olhando para a ordem do céu, da terra, do sol e da lua, ou para o mar e as coisas que se criam todos os dias, deixar de considerar que tudo isso foi feito pela mão de algum grande artífice que não o homem. Por isso não há nação tão bárbara que, por instinto natural, não tenha alguma religião ou cogitação de algum deus.(...) Voltando ao assunto, os nossos selvagens fazem menção a um grande Senhor, que na língua deles se chama Tupã e que, morando no céu, faz chover e trovejar. Mas não têm eles maneira nem hora de orar a esse deus ou de cultuá-lo,assim como tampouxo há lugar próprio para isso.

Nesse trecho o texto relata ainda como lhes apareceu um caraíba (profeta) e lhes ensinou a plantar e cultuar a jetica (batara doce). Descreve ainda a árvore da pacoveira (banana), o ariri (abacaxi), a presença de crocodilos nos rios, bem como o tamanho daqueles e de como os índios deles de alimentam. Ainda registra como os índios fazem incisões pelo corpo, ora pintando-os, ora furando os lábios com conchas para ornamentar o corpo, ora furando as orelhas com diversos materiais.

VIAGEM À TERRA DO BRASIL: Jean de Léry

A narrativa nos apresenta os momentos inciais da França Antártica, detendo-se em seguida nas descrições da terra e do modo de vida dos seus nativos. É justamente a parte relativa aos indígenas que destaca o texto do autor, transformando-o num referencial dos estudos antropológicos brasileiros. Trata de como os índios (tupinambás) tratam e recebem humanamente os amigos que os visitam, do choro das mulheres e das palavras festivas que estas lhes dirigem como boas-vindas. “(...) direi que o viajante, assim que chegue a casa do muçacá (amigo) – ou seja, o pai de família que dá de comer a quem por lá passa – por ele escolhido como hospedeiro, deve sentar-se numa rede e alis ficar um pouco de tempo sem nada dizer. Depois disso, as mulheres aproximam-se, põem-se ao redor da rede e, acocoradas com as nádegas no chão, cobrem os olhos com as duas mãos e choram dando boas-vindas à pessoa em questão, dizendo mil coisas em seu louvor. Como por exemplo: “Você teve tanto trabalho para vir até aqui; você é bom, é valente”. E se for um francês ou outro estrangeiro daqui, acrescentarão: “Você trouxe tantas coisas bonitas que ainda não tínhamos nesta terra.[...]
Se o recém-chegado,sentado na rede, quiser agradá-las e fazer bonito mas não quiser chorar ( como vi alguns dos nossos que, ouvindo as demonstrações das mulheres quase choraram como bezerros desmamados), pelo menos precisam fingir que choram e reponder-lhes soltando alguns suspiros.
Terminada essa primeira saudação feita em sinal de amizade pelas mulheres americanas, o muçacá, ou seja, o dono da casa, que, por sua vez, terá ficado absorto a fazer alguma flecha ou outra coisa e passado bem quinze minutos sem dar demonstração de enxergar o visitante (acolhida bem diferente dos nossos abraços, efusões, beijos e apertos de mmão quando recebemos amigos ), aproximando-se, dirá primeiramente as seguintes palaveas: “Eré-iubê?, ou seja, “você veio?”; depois: “como vai”, “o que deseja?” etc. A isso é preciso responder conforme se mostrará depois, num colóquio transcrito na língua deles.”


VIAGEM AO BRASIL: Hans Staden

O autor era alemão e veio ao Brasil duas vezes. Na segunda viagem, incorporado a uma nau espanhola, naufragou no litoral paulista, onde se agregou aos portugueses. Esteve prisioneiro dos tupinambás, sendo ameaçado de morte e de ser devorado em ritual antropofágico. Foi resgatado por uma nau francesa e levado para a Alemanha.
Na primeira, das quatro partes apresentadas, tem-se um relato aventuresco de como o trataram de dia, quando o levaram às suas casas como prisioneiro. Na segunda parte descreve quantas mulheres cada índio tem e como vive com elas ( inclusive de que quando um índio se vê aborrecido com a mulher faz-lhe presente para outro índio); na terceira parte considera como os índios contratam os casamentos e na última parte com que cerimônias matam e comem seus inimigos; como os matam e como os tratam.

[...] Ao chegarmos perto de suas moradas, ivmos que era uma aldeia com sete casas e se chamava Ubatuba. Entramos numa praia que vai beirando o mar e ali perto estavam as mulheres numa plantação de raízes, a que chamam mandioca. Na mesma plantação havia muitas mulheres,que arrancavam destas raízes, e fui obrigado então a gritar-lhes na sua língua: “Ayu ichebe enê remiurama”, isto é: “Eu, vossa comida, cheguei”.
Uma vez em terra, correram todos das casas ( que estavam situadas num morro), moços e velhos, para me verem. Os homens iam com flechas e arcos para as suas casas e me recomendavam às mulheres que me levassem consigo, indo algumas adiante, outras atrás de mim. Cantavam e dançavam uníssonos os cantos que costumam, como canta sua gente quando está para devorar alguém.
Assim me levaram até a caiçara, diante de suas casas, isto é, à sua forificação, feita de grossas e compridas achas de madeira, como uma cerca ao redor de um jardim. Isto serve contra os inimigos. Quando entrei, correram as mulheres ao meu encontro e me deram bofetadas, arrancando a minha barba e falando em sua língua: “Che anama pipike aé”, o que quer dizer: “Vingo em ti o golpe que matou o meu amigo, o qual foi morto por aqueles entre os quais tu estiveste”.
Conduziram, depois, para dentro de casa, onde fui obrigado a me deitar em uma rede. Voltaram as mulheres e continuaram a me bater e maltratar, ameaçando de me devorar. [...]

A maior parte deles tem só uma mulher; outros têm mais. Mas alguns dos seus principais têm 13 ou 14 mulheres. (...) cada uma tinha o seu aposento na cabana, seu próprio fogo e sua própria plantação de raízes; e aquela com quam ele vivia, e em cujo aposento ficava, é que lhe servia o comer; (...)

Contratam os casamentos de suas filhas, ainda crianças, e logo que elas se fazem mulheres, cortam-lhes o cabelo da cabeça; riscam-lhes nas costas marcas especiais e lhe penduram ao pescoço uns dentes de aniamais ferozes. (...)


À SANTA INÊS e CARTA AO PADRE GERAL, 1/6/1550: José de Anchieta

O poema expressa a motivação mística e catequética, marcado por profunda devoção mariana. Ainda traduz uma visão medieval influenciada pelo Teocentrismo. Consequentemente a estrutura também é medieval , apresentando versos em redondilhos ( menor e maior), na terceira parte do poema mostra o papel dos santos na vida humana: “Cordeirinha santa,/ de Jesus querida,/ vossa santa vinda / o diabo espanta”.(p.93) ( Santa Inês é considerada o símbolo e a guardiã da castidade cristã, por isso o poeta a venera. A linguagem é marcada pelo coloquialismo, apesar de apresentar no primeiro verso, da terceira parte, um verso em latim.

A SANTA INÊS

Cordeirinha linda.
Como folga o povo
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo!

Cordeirinha santa,
De Jesus querida.
Vossa santa vinda
O diabo espanta.

Por isso vos canta.
Com prazer, o povo.
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Nossa culpa escura
Fugirá depressa.
Pois vossa cabeça
Vem com luz tão pura.

Vossa formosura
Honra é do povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Virginal cabeça
Pela fé cortada,
Com vossa chegada,
Já ninguém pereça.

Vinde mui depressa
Ajudar o povo,
Pois com vossa vinda
Lhe dais lume novo!
(...)

Observação: Inês – mártir da Igreja do século IV. Jovem romana, foi decapitada por ter se recusado a perder a virgindade. É considerada o símbolo e a guardiã da castidade cristã.



HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DE SANTA CRUZ: Pero de Magalhães Gândavo


Neste texto o autor descreve a terra, apresentando-a de forma exaltada, relata seu descobrimento; em seguida, remete à criação das capitanias hereditárias e, detalhadamente, descreve as mais importantes delas. Considera ainda o momento em que a Coroa portuguesa divide o Brasil em dois governos gerais, devido ao reconhecimento de que pela imensidão das costas era difícil governar tanta povoações que já havia, bem como outras que se formariam.

[...] E para que de todas no presente capítulo faça menção, não farei por ora mais que referir o caminho os nomes dos primeiros capitães que as conquistaram, e tratar precisamente das povoações, sítios e portos onde residem os portugueses, nomeando cada uma delas em especial, assim como vão do norte para o sul, na seguinte maneira.
A primeira e mais antiga se chama Tamaracá, a qual tomou este nome de uma ilha pequena onde sua povoação está situada. Pero Lopes de Sousa foi o primeiro que a conquistou e livrou dos franceses, em cujo poder estava quando a foi povoar (...)
A segunda capitania que adiante se segue se chama Pernambuco: a qual conquistou Duarte Coelho, e edificou sua principal povoação em um alto à vista do mar, que está a cinco léguas desta ilha de Tamaracá, em altura de oito graus.(...)
A terceira capitania que adiante se segue é a da Bahia de Todos os Santos, terra del-rei nosso senhor; na qual residem o governador e bispo, e ouvidor-geral de toda a costa.(...)
A quarta capitania, que é a dos Ilhéus, se deu a Jorge de Figueiredo Correia, fidalgo da casa del-rei nosso senhor; e por seu mandado a foi povoar um João de Almeida, o qual edificou sua povoação trinta léguas da Bahia de Todos os Santos (...)
A quinta capitania, a que chamam Porto Seguro, conquistou Pero do Campo Tourinho. Tem duas povoações que estão distantes da dos Ilhéus trinta léguas em altura de dezesseis graus e meio (...)
A sexta capitania é a do Espírito Santo, a qual conquistou Vasco Fernandes Coutinho. Sua povoação está situada em uma ilha pequena, que fica distante das povoações de Porto Seguro sessenta léguas, em altura de vinte graus. (...)
A sétima capitania é a do Rio de Janeiro: a qual conquistou Mem de Sá, e à força de armas, oferecido a mui perigosos combates, a livrou dos franceses que a ocupavam,sendo governador-geral destas partes. (...)
A última capitania é a de São Vicente, a qual conquistou Martim Afonso de Sousa: tem quatro povoações. (...)


TRATADOS DA TERRA E GENTE DO BRASIL: FERNÃO CARDIM


O texto é apresentado em verbetes informativos sobre a fauna, a flora e o gentio. Há descrição sobre os frutos, as madeiras, assim como dos animais, árvores e ervas que foram trazidos de Portugal e se adaptaram ao Brasil. O último parágrafo do trecho apresentado faz menção ao fato de não haver piolhos, nem percevejos, nem pulgas, como em Portugal, porém há “traças, baratas, vespas, moscas, e mosquitos de tantas castas, e tão cruéis, e peçonhentos, que mordendo em um pessoa fica a mão inchada por três ou quatro dias”(p. 136)

Acaju – Estas árvores são muito grandes, e formosas, perdem a folha em seus tempos, e a flor se dá nos cachos que fazem umas pontas como dedos, e nas ditas pontas nasce uma flor vermelha de bom cheiro, e após ela nasce uma castanha, e da castanha nasce um pomo do tamanho de um repinaldo, ou maçã camoeza; é fruta muito formosa, e são alguns amarelos, e outros vermelhos, e tudo é sumo: são bons para a calma, refrescam muito, e o sumo põe nódoa em pano branco que se não tira senão quando se acaba. A castanha é tão boa, e melhor que as de Portugal; comem-se assadas, e cruas deitadas em água como amêndoas peladas, e delas fazem maçapães, e bocados doces como amêndoas
Jaboticaba – Nesta árvore se dá uma fruta do tamanho de um limão se seitil; a casca, e gosto, parece de uva ferral, desde a raiz da árvore por todo o tronco até o derradeiro raminho; é fruta rara e acha-se somente peleo sertão adentro da capitania de São Vicente. Desta fruta fazem os índios vinho, e o cozem como vinho d’uvas.
Araticu – Araticu é uma árvore do tamanho de laranjeira, e maior, a folha parece de cidreira, ou limoeiro, é árvore fresca e graciosa, dá uma fruta da feição e tamanho de pinhas, e cheira bem, tem arezoado gosto, e é fruta desenfastiada.



TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL EM 1587: Gabriel Soares de Sousa


No texto percebe-se que o autor pretende motivar a corte de Felipe II a investir na Colônia. São apresentados seis capítulos da obra em que, segundo José Aderaldo Castello, não há capítulo emque não ressalte a boa qualidade da terra, a sua fertilidade, o que nela se deve cultivar, e a cada passo adverte o governo português da necessidade de povoar e fortificar certas regiões, para preservar sua província da cobiça estangeira.(p.138)



Quinhentismo

Literatura de informação

“Ao longo do século XVI – e já de início com a Carta, de Pero Vaz de Caminha – foi sendo produzida na Colônia uma literatura que visava a fornecer à Metrópole o perfil da nova descoberta. Eram relatórios, tratados, histórias, diários e discussão de problemas de catequização produzida pelos portugueses, jesuítas ou leigos, que de alguma forma aqui aportaram. Dentre a produção extensa que o período legou, há que destacar, além de Caminha, o Diálogo sobre a conversão do gentio (1577), de Manuel da Nóbrega, a História da província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil (1576) e o Tratado da terra do Brasil (publicado somente em 1826, ambos de Pero de Magalhães Gândavo, o Tratado descritivo do Brasil em 1587, de Gabriel Soares de Sousa, e os Tratados da terra e gente do Brasil, de Fernão Cardim. Esses textos revelam o espanto do europeu diante do mundo desconhecido e da natureza peculiar e exuberante; contam, admirados, do selvagem, de seus hábitos e de sua vida. (...)
Se tais obras não podem ser consideradas ficção, tornaram-se de um valor documental inestimável.”

(Sanchez, Amauri M T. Panorama da literatura no Brasil. São Paulo, Abril Educação, 1982)


Tipos de escritores: Cronistas e viajantes

• Pero Vaz de Caminha – escrivão da frota de Cabral
• Pero de Magalhães Gândavo – autor de dois livros
• Manuel da Nóbrega – padre e fundador de São Paulo
• Fernão Cardim - jesuíta


Características da literatura de informação:

• Perplexidade diante do mundo novo
• Promoção do ideal do Novo Mundo
• Escritos de grande Admiração
• Caráter descritivo
• Textos repletos de fantasia


Literatura de Catequese ou Jesuítica

“Para ensinar ao gentio os hábitos europeus e, principalmente, para ‘moralizá-los’, segundo os padrões da Igreja Católica, os jesuítas não pouparam esforços.
A produção jesuítica consta, em grande parte, de literatura dramática pois, por meio do teatro, era bem mais fácil exercer a pedagogia. Além disso, a teatralização de passagens do Novo e do Velho Testamento era uma atividade que existiu com grande vigor na Idade Média européia e que os jesuítas adotaram”

(CAMPEDELLI, Samira Y. Literatura: história e texto. São Paulo, Saraiva, 1999)


Características da Literatura de Catequese ou Jesuítica

• Uma literatura de ensinamentos
• Tradicionalismo medieval
• Aproveitamento do folclore

Pe José de Anchieta – poeta, gramático e catequista

Manuel da Nóbrega – padre e fundador de São Paulo

Gramática e Léxico


Gramática


“Sistema de meios de expressão, um mecanismo que permite o funcionamento da língua” (Vasconcellos)

“A gramática será considerada, ao lado da semântica e da fonologia, como um dos três tipos de estudos concernentes ao sistema de uma língua, o que trata da forma de suas palavras (...) e das maneiras delas se combinarem em sintagmas ou sentenças” (Idem)


Léxico



“(...) a palavra léxico designa o conjunto das unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor, etc” (Dubois)


Por que as línguas precisam de gramática?
O que é a língua frente ao que seria linguagem?


A língua é apenas uma das formas de linguagem

Linguagem humana: “(...) caracteriza-se por ser uma capacidade de representação, que permite a expressão do pensamento e a comunicação entre os falantes – capacidade que se manifesta na constituição de sistemas de representação específicos, as diversas línguas” (Vasconcellos)


Alguns tipos de gramática

1. Normativa

A que estabelece normas de bem falar para os usuários, com base na camada mais culta da sociedade, incluindo-se aí os escritores clássicos.

2. Descritiva, Expositiva ou Sincrônica

Aquela que apenas relaciona, expõe os fatos de uma língua, sem qualquer preocupação com a noção de certo e errado, em certas épocas dessa língua.

3. Histórica ou Diacrônica

A que apresenta os fatos de uma língua numa dada época, porém a partir de fases anteriores. Mostra a língua sob seu aspecto evolutivo.

4. Comparada ou Comparativa

A que estuda, por meio de comparações, línguas da mesma família. Por exemplo, estudar línguas como o português, francês e espanhol para alcançar conhecimentos do latim vulgar, de onde essas línguas provêm.
(Aquino)


A questão da Gramática interna

Segundo os teóricos que formularam esta teoria, todo ser humano seria dotado de uma capacidade inata (ou seja, já nasce com ela) de reconhecer estruturas que pertençam a sua língua.

Ex1.

Uma vez o presidente da república plongou vários artistas inepicitados.

Embora um falante possa se mostrar inseguro diante da sentença por conta de itens estranhos (plongou e inepicitados), ele dirá que ela é uma sentença da língua portuguesa ao reconhecer que em plongou, há algo de semelhante com cantou, amou, beijou, ou que em inepicitados ocorre algo semelhante ao que ocorreria se em seu lugar figurassem termos como consagrado, reconhecido, aposentado.

Ex2.

O vez uma da presidente república plongou inepicitados vários artistas.